BARÉGE E-KEDÓDU - O BANQUETE DAS FERAS
COURO DE ONÇA SENDO PINTADO PELOS MEMBROS DO CLÃ AIPOBOREGE
Foto: Francielen Costa dos Santos, Tadarimana, 29/03/2012
O Barége e-kedódu - banquete das feras - é também conhecido entre os brancos como ritual do couro de onça. É um ritual que compõe o funeral Bororo. Quando uma pessoa dessa etnia morre, um homem é escolhido como seu representante. Sua obrigação principal é vingar a morte do representado, abatendo uma onça cujo couro será dado a um parente do defunto. Esta onça (adugo) será denominada o móri (vingança ou retribuição).
No dia 27 de março de 2012, quinta feira, a Aldeia Indigena Central de Tadarimana, Rondonópolis, Mato Grosso, realizou um Barége e-kedódu. A Aldeia recebeu índios de várias áreas indígenas e a cerimônia foi comandada por três grandes líderes da cultura Bororo: Eduardo Kogue, Raimundo Itogoga e Antenor Katiréu Bakarae.
Foto: Francielen Costa dos Santos, Tadarimana, 29/03/2012
Os dias que antecederam o ritual foi de muita movimentação na Aldeia. As mulheres dos clãs Kiedo e Aipoborege trabalharam na fazer o aróe kuro: um alimento líquido feito com milho, arroz e açucar e que é servido às pessoas durante os rituais, sobretudo os homens que entoam os cantos cerimoniais. Algumas pessoas chamam essa "bebida" de chicha, todavia, ao contrário do que acontece em outras culturas, a chicha Bororo não contem alcool, nem é fermentada.
Guerreiro bebendo o aróe kuro - Foto: Francielen Costa dos Santos, Tadarimana, 29/03/2012
As mulheres também preparam a pasta de nonogo (urucum) que é é utilizada para pintar o corpo dos protagonistas do cerimonial. Ela feita com nonogo, leite de mangava/mangaba, resina de uma árvore e óleo de cabelo.
Foto: Paulo Isaac, Tadarimana, Rondonópolis, 29/03/2012
Os homens trabalharam fazendo os enfeites corporais dos protagonistas do cerimonial. O Clã Kie fez o pariko (cocar) usado por Juredugo Kudóro Kavóro (Paulo Augusto Mário Isaac).
Enfeites visto na parte frontal e nas costas. Representa os sinais diacríticos do clã Kie. O desenho no rosto representa o bico do tucano. As plumas pretas, amarelas e azuis são de pássaros ligados ao clã.
Fotos: Silvia de Fátima Pilegi Rodrigues, Tadarimana, Rondonópolis, 27/03/2012.
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Muga Nadir Ika pintando Juredugo Kudóro Kavóro (Paulo Isaac)
Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
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Luiza Baguiago, irmã mais velha, desenhando o rosto de Juredugo Kudóro Kavoro
Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012
A pintura foi feita em frente a casa do clã, no lado norte da Aldeia, lugar da metade Ecerae. Enquanto as mulheres procediam a pintura, os homens começaram a cantar em frente à casa do finado, que era também do lado Ecerae. Após a pintura corporal, Juredugo seguido pelos seus parentes do clã se dirigiram à casa do finado, em frente da qual os bakororo cantavam e as pessoas da comunidade os acompanhavam. Lá chegando, sentou-se na esteira sobre a qual estava o couro de onça Foto: Francielen Costa dos Santos, Tadarimana, 29/03/2012
O outro e mais importante protagonista do ritual (ele é o representante do finado, o guerreiro portador do couro de onça), Vagner Iwaguduge Cereu chegou ao local acompanhado de pessoas do seu clã e portando em uma bandeja um colar com os dentes da onça e um par de braceletes.
Vágner sentou-se ao lado de Paulo Isaac, sobre o couro de onça. Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012.
Sobre o couro de onça, além dos protagonistas, estava também a bandeja com os adornos de Vágner e uma Ika (flauta Bororo). |
Após dois cantos, um homem pegou a Ika de cima do couro de onça e começou a tocá-la, caminhando para o lado oeste do pátio da aldeia, acompanhado por algumas mulheres.
Em seguida, Vagner levantou-se do couro de onça e foi levado por uma mulher, para o lado direito, para banhar-se. Juredugo também o acompanhou e lhe foi jogada água sobre o corpo.
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Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Em seguida, os dois protagonistas voltaram a sentar-se sobre o couro de onça, com os rostos voltados para o lado oeste. Os bakororo voltaram a cantar.
Neste momento, o tocador de Ika voltou, entregou o instrumento ao chefe da casa. Uma mulher, Jucila pegou o couro de onça e saiu correndo em direção ao lado oeste, no espaço Aipoborege, onde os membros da metade clânica Tugarege os esperavam. Colocou o couro sobre duas esteira, com o lado pintado para cima. Os homens deste clã começaram a enfeitar o couro, pendurando nele plumas de arara (kudoro) e gavião (urubuga). A pintura usada no couro foi feita com resina preta e tinta de urucum. Só os homens participaram da decoração.
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Fotos: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Terminada a decoração do couro, um homem baadojeba-Ecerae (Martin) colocou o Vagner sobre suas costas e correu carregando-o na direção leste, em frente a casa do finado. Juredugo e o resto da comunidade correu atrás.
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Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Chegando em frente à casa do finado, os dois protagonistas sentaram-se novamente, agora somente sobre a esteira.
Neste momento Vagner recebeu a pintura corporal e o corte de cabelo.
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Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Em seguida, Vagner recebeu os ornamentos de braço e o colar com os dentes e garras da onça.
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Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Enquanto isso, Raimundo Itogoga, iedaga (padrinho) de Juredugo Kudóro Kavóro (Paulo Isaac) colocou-lhe o cocar.
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Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Em seguida, Raimundo pegou um instrumento de cabaça e entoou um canto. Ao terminá-lo, o guerreiro recebeu um arco e flecha.
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Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Os protagonistas dançaram, cada qual com uma mulher, ao som dos cantos cerimoniais.
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Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Enquanto as duas mulheres dançavam, as mulheres mais velhas ensinavam a uma delas (a mais jovem) como eram os passos corretos e os movimentos dos braço.
No encerramento desse ritual, enquanto as pessoas dos clãs diretamente envolvidos foram às suas casas buscar os alimentos e bebidas a serem servidos para toda a comunidade, o restante dirigiu-se para o lado oeste do baito (casa grande, central da Aldeia).
Logo, chegaram as guloseimas que foram dispostas sobre esteiras.
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Bolinho de arroz, bolachas, pães, bebidas: aróe kuro, suco de uva e geladinho. Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012. |
Os protagonistas ficaram entre a esteira com os alimentos colocados em bandejas feitas de palhas de babaçu e o baíto (casa central), com o rosto virado para o por do sol. Os membros da Comunidade os circundaram e as crianças ficaram mais próximas.
Inicialmente as mulheres que ofereceram o banquete se dirigiram aos bakororo (cantores cerimoniais) e os levaram pelas mãos para servir-se. Eles e os dois protagonistas e os anciãos tiveram primazia.
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Foto: Fábio Nobuo, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012 |
Depois, toda a Comunidade pode servir-se. A bebida mais concorrida foi o aróe kuro. Havia comida e bebida para todos se fartarem.
Observou-se que a medida em que as pessoas eram conduzidas para se servirem, as outras gritavam alegremente, festejando.
Terminado o banquete, as pessoas dispersaram. As mulheres recolheram as esteiras, bapos e restos de alimentos e bebidas e os levaram para suas casas.
Neste momento, o bakororo Raimundo Itogoga recebeu o couro de onça, posicionou-se no centro da aldeia, com o rosto voltado para o sol poente e com as duas mãos segurando o couro pôs-se a cantar. Enquanto cantava, ele abanava com o couro, em uma postura frontal. A parte da estampa do couro estava voltada para baixo e a parte decorada para cima.
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Foto: Francielen Costa dos Santos, Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012 |
Atrás, ficaram alguns homens e o restante da comunidade circundavam o bakororo. Em um dado momento, um parente do finado foi até Raimundo, pegou o lado esquerdo do couro e chorou copiosamente. Raimundo respeitou o gesto do parente do finado e, depois que ele se retirou, prosseguiu o seu canto cerimonial. Ao final de cada canto, os homens gritavam.
Quando Raimundo terminou o ritual de canto, os homens todos gritaram e ergueram o braço direito com os punhos fechados (o sinal típico de vitória).
Ao poucos as pessoas foram se retirando. As mulheres retornaram às casas, as crianças se espalharam pela aldeia para brincarem. Os homens, uns voltaram para suas casas e outros ficaram conversando no centro da aldeia.
Na casa da muga Nadir, o clã esperava por Juredugo, Sílvia, Igor e os colegas da Universidade. A eles os Kiedo serviram carne assada e farinha.
Aos poucos as pessoas foram embora.
Já era noite em Tadarimana.
AMIGOS DE JUREDUGO QUE FORAM VER A COROAÇÃO E O RITUAL
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Vitor, Jovelina, Alexandra, Sofia, Krisley, Fábio e Gilberto
Tadarimana, Rondonópolis, MT, 27/03/2012 |
2. Adalto Vieira Ferreira Jr – pesquisador e bolsista – foi encarregado de fazer a filmagem com a filmadora amadora do Museu.
Alexandra Pimentel de Lima – Estudante de História, participou do Ipáre, e foi com função de fotógrafa.
3. Francielen Costa dos Santos – pesquisadora e bolsista – foi encarregada de fazer as anotações em caderno de campo.
Prof. Ms. Fábio Nobuo – professor de Economia, foi como visitante e assumiu a função de fotografar com a máquina profissional do Museu.
4. Gilberto Inácio da Silva – funcionário da UFMT e estudante de História, encarregado de fazer a filmagem com a filmadora profissional.
Igor Rodrigues Isaac - meu filho
Jovelina Carlini Rocha – estudante de História, participou do Ipáre, e ficou encarregada de filmar com a filmadora amadora da UFMT.
Profa. Dra. Krisley Mendes – professor de Economia foi como visitante e forneceu vagas no seu carro para levar parte da equipe de trabalho.
Profa. Dra. Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues – professora do Depto. de Pedagogia, deu suporte logístico aos outros trabalhadores.
Profa. Dra. Sofia Inês Niveiros – professora de Ciências Contábeis foi como visitante e forneceu vagas no seu carro para levar parte da equipe de trabalho.
5. Vitor Pedrosa Mella – bolsista do Departamento de vídeo da UFMT e estudante de História, encarregado de dar suporte aos cinegrafistas e fotógrafos.
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Sofia, Muga Nadir, Juredugo e Silvia. Na ponta Krisley
Igor é o menino com o boné na mão.
Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012 |
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Francielen, de boné alaranjado. Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012 |
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Adalto, de costas, filmando. Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012 |
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Paulo Augusto Mário Isaac, em Bororo Juredúgo Kudóro Kavóro. Rondonópolis, Tadarimana, 27/03/2012
Foto: Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues |